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‘Caixa-preta’ do BNDES é incomodar bancos privados ao fazer o que não fazem

Todos os países industriais do mundo têm um banco próprio que financia um outro país para comprar equipamentos do seu. Essa é a função dos chamados Eximbanks, os bancos de exportação e importação. Nos Estados Unidos tem, no Japão, na China. E no Brasil é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que exerce, entre outros, esse papel.

 

O banco público, que atende desde operações para pequenos empreendedores a grandes investimentos nacionais, funciona também como um banco de exportação e importação. Quem explica é o engenheiro Elvio Gaspar, que foi diretor de crédito e de infraestrutura urbana do BNDES entre 2004 e 2012. “Por exemplo, os chineses querem vender trem para o metrô de São Paulo. Quem financia é o Eximbank da China. Foi assim no Rio de Janeiro. O governo do estado do Rio comprou os trens (chineses) com financiamento do governo chinês.”

 

No caso do BNDES, um exemplo é o financiamento ao governo chileno para comprar ônibus de uma marca brasileira. “Isso cria emprego no Brasil. O BNDES assina o contrato com o governo e paga a fabricante de ônibus aqui, que entrega o equipamento. O governo chileno fica devendo ao governo brasileiro, ao BNDES. A operação criou emprego no Brasil, o equipamento é todo brasileiro. E o empréstimo será pago. O Brasil tem um sistema chamado de Fundo Garantidor de Exportação que aprova esses empréstimos e garante a operação”, explica Elvio, que é mestre em planejamento urbano e regional.

 

Essa função de banco de exportação e importação não é uma invenção da era petista à frente do BNDES. “O que houve foi que nesse período foi ampliada e direcionada para outros países que não estavam no circuito do BNDES no passado”, explica Gaspar, lamentando a criminalização de uma coisa tão boa para o país e que pode ser diluída por conta de uma “ideologia perversa”.

 

“É tão meritório tudo isso que daqui a alguns anos será vergonhosa essa discussão que está se fazendo hoje. Todos os países industriais fazem isso. Financiar a compra de equipamento brasileiro pelo exterior é um papel valioso, importante, que gera exportação de engenharia com valor agregado alto. E isso já era feito pré-2003”, reforça, lembrando que o BNDES financiou boa parte da venda de aviões da Embraer para a America Airlines. “A presença de engenharia brasileira no exterior há muitos anos se deve ao financiamento do BNDES a essas empresas, inclusive aos Estados Unidos. Há vários contratos com eles. Esses arranjos de empréstimos são comuns em todos os países.”

 

O ex-diretor lembra ainda da polemizada construção de aeroportos e portos em países África, da América Latina. “Foi tudo feito com máquina e mão de obra brasileira financiadas pelo BNDES. O que é local não tem financiamento do BNDES. Financia-se o governo dos outros países para que contratem empresas brasileiras que vendem engenharia nacional, inteligência, que tem grande valor agregado. E o empresariado brasileiro, que sabe disso, não esposa dessa acusação tosca e ideológica contra essa função do BNDES. Não estamos apoiando nenhum país, mas quem queira comprar produtos brasileiros.”

 

Caixa-preta no BNDES

 

Se o papel do BNDES como Eximbank do Brasil não é invenção petista, a agenda de abertura de informação do banco de desenvolvimento para a sociedade foi, afirma Elvio Gaspar. “Antes dos governos Lula e Dilma, as informações sobre o banco deveriam ser buscadas em cartório. Agora, tudo está na internet, no site, organizado. Hoje eu acho que o BNDES é a instituição mais aberta e transparente nas suas operações.”

 

Desde a campanha eleitoral, o agora presidente Jair Bolsonaro associa ao nome do BNDES uma suposta “caixa-preta” que esconderia informações de transações prejudiciais à sociedade brasileira. Para Gaspar, por trás de toda essa retórica está a disputa de espaço econômico por parte dos bancos privados.

 

  • Novos presidentes de bancos públicos têm cabeça de banqueiros privados

“A acusação de caixa-preta tem a ver mais com a existência do BNDES. Os bancos privados têm vontade enorme de participar de projetos muito grandes, mas têm limitações, não têm funding de longo prazo”, avalia o ex-diretor do banco.

 

Esse funding é a capacidade que o banco tem de captar dinheiro que possa devolver só mais tarde, para emprestar com prazo mais estendido. A Constituição Federal de 1988 determinou a destinação de parte dos recursos arrecadados pelo PIS/Pasep – que compõem o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – para investimentos capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico do Brasil, via BNDES.

 

“O BNDES tem essa fonte de renda de recursos de longo prazo que é o FAT e o dinheiro do Tesouro, com 40 anos para pagar. Assim, pode emprestar por cinco anos, 10 anos, 15 anos, 20 anos, porque tem certeza de que seu credor não vai exigir amanhã o dinheiro de volta, como é o caso das operações do sistema financeiro brasileiro. E nessa dinâmica, ele é essencial”, avalia Gaspar, lembrando uma estatística da época em que estava no banco. “Mostrava que acima de cinco anos, os empréstimos são 99% do BNDES, que é um emprestador de longo prazo para negócios, investimentos em capacidade produtiva, compra de máquinas.”

 

Todo o “problema” começou quando o BNDES se “agigantou”, avalia o ex-diretor da empresa pública. Os bancos privados não conseguem acompanhar a taxa baixa e o longo prazo do BNDES, que “fica campeão” e atrai grandes tomadores, como a Vale, por exemplo.

 

“As instituições privadas começaram a se queixar de o BNDES estar tirando delas essas grandes empresas. Classificaram de subtração da capacidade de empréstimo de créditos bons. Isso fez com que interviessem politicamente para dizer que o BNDES é caixa-preta, que não sabiam o que acontecia”, diz. “Minha leitura sobre isso: a oposição se deve a uma lógica comercial de combater um concorrente que é muito mais poderoso e por conta disso está sendo desqualificado.”

 

Para Elvio, quando os presidentes do BNDES posteriores à era dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff falam em atender somente micro e pequenas empresas, atender só inovação, estão falando exatamente o que os privados falam. “O BNDES tem de entrar onde eles não querem entrar, onde o risco é mais alto. Acham que nas grandes empresas só eles podem emprestar.”

 

Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES na gestão de Michel Temer , também rebate a acusação de Bolsonaro. “Nós não vamos aceitar nada, a não ser um pedido de desculpas na ausência de caixa-preta. Por quê? Porque esse é um assunto muito grave. Lida com a competência das pessoas que estavam administrando, mesmo que não tenha sido nada alegado quanto ao meu período. Mas é alegado quanto à nossa capacidade de verificação, o que é suficientemente grave”, afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo.

 

O economista, filiado ao PSC – já presidiu o IBGE e foi vice de Álvaro Dias (Pode) na recente eleição presidencial –, relata que sua gestão “escarafunchou” o banco e não encontrou crimes. E que, com o portal de transparência do BNDES, encerra-se a “suposta dúvida” sobre “polêmicos contratos”.

 

Mesmo para o economista Mailson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo de José Sarney, consultor com ideias neoliberais e crítico da política de financiamentos do BNDES, não há no banco público corrupção e falta de transparência.

 

“A cruzada de Bolsonaro em torno da ‘caixa-preta’ do BNDES certamente agrada grande parte dos seus eleitores, mas tende a frustrá-los”, escreveu em artigo na revista Veja. “A ‘caixa-preta’, se houver, estará vazia.”

 

A reportagem da Rede Brasil Atual enviou ao novo presidente do BNDES, Joaquim Levy, perguntas sobre a suposta caixa-preta do banco público, mas não obteve resposta.

 

Sem o BNDES fica ruim para os pequenos

 

Somente empréstimos de grande valor são apresentados diretamente ao BNDES, que tem pouco mais de 2 mil funcionários e não teria capacidade de analisar as centenas de milhares de projetos que chegam ao banco de desenvolvimento.

 

Pequenas operações, como o Finame (crédito para compra de máquinas e equipamentos), devem ser feitas por intermédio do agente financeiro (outros bancos), que assume o risco e monta a operação, apresenta ao BNDES que analisa, aprova e empresta o recurso.

 

O banco privado não faz com o dinheiro dele porque não tem recurso para longo prazo. Como o dinheiro é do BNDES o prazo para pagamento é mais longo e o juro pode ser mais baixo. Os bancos que operam esses créditos cobram suas taxas para fazer essa intermediação, “mas não tanto quanto gostariam”, afirma Elvio Gaspar.

 

“Eles queriam é fazer com o dinheiro deles e cobrar 30% ao ano com no máximo dois anos de prazo para pagamento se for um bom cliente. Pelo Finame custa em média metade com mais prazo. Os bancos não gostam, mas fazem porque com o tempo podem operar com os recursos de longo prazo que não têm risco de ser pedido de volta. Prefeririam emprestar seus próprios recursos cobrando mais em curto prazo. Ou seja, o pequeno fica desguarnecido se não tiver o BNDES”, avalia do ex-diretor do banco público.

 

O engenheiro lembra que houve um momento de crescimento acelerado da economia brasileira em que só tinha BNDES. “Os bancos sumiram do investimento de longo prazo e o BNDES teve necessidade de ter dinheiro. Os recursos do FAT são uns R$ 30 bilhões por ano, e precisou sair de R$ 40 bilhões a R$ 50 bi ao ano de empréstimos para R$ 190 bi, em 2010, 2011. Um recorde. Quando fez isso avançou na ocupação de espaço do banco privado. O setor produtivo adorou, mas é liberal na sua dinâmica. Gostam para si, mas não querem para todos.”

 

Quando Elvio Gaspar entrou no BNDES o banco tinha R$ 170 bilhões em ativos. “Quando saí em 2012 tinha quase R$ 1 trilhão de ativos. De lá pra cá vem diminuindo. E o governo federal está exigindo de volta os R$ 500 bilhões que emprestou.”

 

Como ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff, Joaquim Levy iniciou a devolução desses empréstimos pelo BNDES à União. Cerca de R$ 309 bilhões já voltaram ao Tesouro e há um cronograma de devolução antecipada do restante.

 

“Esse governo vai acelerar a devolução do dinheiro ao Tesouro. Isso já está combinado. Eles enxergam um BNDES menor. Nos tempos de Luciano Coutinho (presidente do BNDES entre 2007 e 2017)era assim: se o mercado financeiro não entra, o BNDES tem de entrar. Agora vão focar no pequeno e médio, onde o mercado financeiro não quer entrar. E isso não é culpa só do mercado financeiro que não tem o longo prazo. Um país não se desenvolve só com crédito de curto prazo e os bancos não têm condição de emprestar de longo prazo. Ou seja, o BNDES é fundamental.”

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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