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Marcha das Margaridas de 2023 marca rearticulação na luta feminista

 

Mais de 100 mil mulheres são esperadas na 7ª edição da Marcha das Margaridas, entre 15 e 16 de agosto, em Brasília. “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver” é o lema deste ano do evento que é considerado uma das maiores mobilizações de rua do mundo.

 

“Estamos a todo vapor. As margaridas de todos os estados brasileiros estão se organizando e se preparando para esse grande momento. As margaridas de outros países também estarão aqui para conhecer essa grande ação e a fortalecer a nossa luta, que é comum em todo o planeta”, destaca Mazé Morais, coordenadora geral da marcha e secretária da Mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), uma das entidades sindicais organizadoras do evento, que começou em 2000 e passou a ocorrer, tradicionalmente, de quatro em quatro anos.  

 

A abertura política da marcha está marcada para as 17h de terça-feira (15), no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília. Mas as atividades da marcha começam logo cedo, a partir das 8h, com plenárias, oficinas, rodas de conversa, espaço de saúde (com práticas integrativas) e a Mostra Nacional da Produção das Margaridas, uma feira com exposição de produtos de todos os estados brasileiros.

 

“Como Mazé explicou, os problemas enfrentados pelas mulheres são muito parecidos ao redor do mundo, por isso que um evento da magnitude da marcha é necessário, porque facilita essa troca de vivências, de diversos movimentos sociais, do Brasil e de outros países da América Latina. E, a partir disso, fortalecemos as nossas pautas”, explica a secretária da Mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Fernanda Lopes.

 

Sobre o contexto brasileiro, Fernanda avalia que a rearticulação dos movimentos sociais deve incluir nas pautas a reconstrução de políticas públicas que foram destruídas nos últimos anos. “Passamos pela desintegração do Ministério da Mulher, recriado em janeiro, com a chegada do governo Lula, além disso, o orçamento destinado a proteção das mulheres foi praticamente zerado no orçamento elaborado e enviado por Bolsonaro ao Congresso, referentes ao período de 2020 a 2023”, lembra. “Esse movimento do Estado acarretou no fortalecimento da violência de gênero em toda a sociedade, com reflexos no aumento de casos, como revelou a recém publicação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, completou. 

 

Quem matou Margarida?

O nome da Marcha das Margaridas é inspirado em Margarida Maria Alves. A nordestina e trabalhadora rural, ocupou por 12 anos a Presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, rompendo com os padrões tradicionais de gênero.

 

No dia 12 de agosto de 1983, a líder sindical foi cruelmente assassinada em frente de sua casa. Ela já vinha recebendo diversas ameaças pela atuação em favor da reforma agrária e dos direitos de trabalhadoras e trabalhadores rurais – na época em que foi executada, estava movendo cerca 70 ações na Junta de Conciliação e Justiça de Campina Grande, representando trabalhadores rurais, contra grandes proprietários da região.  

 

Tanto o inquérito quanto o processo na Justiça indicaram que os mandantes da morte de Margarida foram donos de terras, mas apenas uma pessoa, Zito Buarque, respondeu ao processo que rolou por 18 anos na Justiça e que teve como desfecho nenhuma condenação.

 

Um dos ameaçadores de Margarida foi o usineiro Aguinaldo Velloso Borges. A líder chegou a respondê-lo numa carta, que foi incluída no processo, com suas palavras:

 

Recebi o seu recado que o sr. Nicomedes Lucas, me troce dizendo que o senhor mandou dizer que eu presidenta do sindicato, não criace caso em propriedade da Usina, pois recebi por ameaça que dizia não crie caso para o seu bem.

O nosso caso não é criar caso em propriedade e de nenhum cidadão, o que estamos fazendo é cumprindo a nossa missão e não criando caso, como disse o sr. Nicomedes. Caso esta criando aquele que não está cumprindo as Leis, ou seja (…) não pagando o salário mínimo, 13º salário, ferias, cortando fruteiras e proibindo o trabalhador de plantar na terra, expulsando o rurícola da terra sem os seus direitos…”.

 

O padre Luigi Pescarmona, que relatou ter tido conhecimento da reunião que tramou o assassinato de Margarida, contou que foi até ela para avisar-lhe do risco que corria: “Margarida, a tua vida está ficando do tamanho de nada”, disse, ao que Margarida respondeu: “Padre, da luta eu não fujo e, se a morte vier, eu aceito”.

 

Em 2008, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aceitou formalmente denúncias feitas pelo Ministério Público, pela impunidade no crime, contra o Estado Brasileiro e três pessoas: Antônio Carlos Regis, que teria sido o intermediário entre os fazendeiros locais e os irmãos Amauri José do Rego e Amaro José do Rego, que executaram Margarida.

 

Somente 38 anos após o crime, em novembro de 2019, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) determinou uma indenização paga pelo Estado brasileiro, por danos morais, ao filho de Margarida, que na época do assassinato da mãe tinha apenas 8 anos. Na sentença, a líder sindicalista também teve reconhecida sua condição de anistiada política do regime militar.

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